antes de mais nada, o psiquiatra é um médico. um médico que se especializou em psiquiatria. "psiquiatria" é uma palavra construída a partir do grego - "psiché" (mente, alma) e "iatria" (arte de curar, medicina): pretende, pois, ser a "arte de curar, ou medicina, da mente". assim, a psiquiatria parece derivar da velha dicotomia cartesiana corpo-mente. parece, digo, porque essa dicotomia é sempre artificial, retórica, na medida em que não existe mente sem corpo vivo, nem corpo vivo sem mente. uma e outra coisa são apenas aspetos da mesma realidade viva a que chamamos ser humano. corpo e mente são a expressão e a consequência um do outro. deste modo, é possível sofrer de doença somática (do grego "soma": corpo) por pressão de acontecimentos psíquicos, assim como se pode sofrer de doença psíquica por pressão de acontecimentos somáticos. e rara será mesmo a doença, para não dizer nenhuma, que não tenha manifestações simultaneamente somáticas e psíquicas ou psíquicas e somáticas.

esta dualidade pressupõe dois pólos. no polo a que chamamos psíquico, repete-se um dualismo retórico, desta vez entre o racional e o irracional, como se uma e outra fossem realidades psíquicas independentes e conflituais. na realidade, não há psiquismos exclusivamente racionais, nem mentes só irracionais. o predomínio de uma ou de outra forma de funcionamento mental depende da constituição pessoal, da personalidade, da história de vida, das tensões atuais e passadas, da antecipação do futuro e, acima de tudo, da cultura. nas sociedades onde o peso do racionalismo é ou foi muito menor que na nossa, a irracionalidade faz ou fazia parte integrante do dia a dia e da forma de estar no mundo. lida-se ou lidava-se com ela através dos símbolos, das fábulas, dos mitos, dos contos populares, do teatro, da tragédia, da comédia, da música, da dança, da pintura, da arte em geral, das práticas iniciáticas, do êxtase, da sugestão, da magia e da religião; em suma, a irracionalidade tem ou tinha um lugar cimeiro na integração do homem no mistério da vida.