José Cunha-Oliveira, 06-06-2012
para que se pudessem precaver, há uns três anos que eu vinha alertando os meus internos da especialidade de psiquiatria para um futuro inexorável: a transformação do venerável hospital de Sobral Cid, uma instituição de peso na história da psiquiatria portuguesa, numa de duas realidades: a sua extinção pura e simples ou a sua degradação completa, sob a forma de loja de arrumações da psiquiatria universitária. o alerta cumpriu-se.
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a criação do mundo
José Cunha-Oliveira, 20-04-2012
1. o grande criador de tudo é uma entidade chamada "milhões de anos". ninguém me explica é como essa entidade chamada "milhões da anos" faz as coisas. nem sequer me dão tempo para saber se é verdade...
2. estou meio tentado a acreditar no conto do "Big Bang". o nada explodiu e pum!, cá estamos, eu e tudo, milhões de anos depois. mas eu acho que o nada simplesmente saiu de outro tudo, pelo buraco do fundo. é sempre o mesmo rebuliço, o mesmo mar, os mesmos vendavais, os mesmos remoinhos, a mesma poesia.
3. a esta hora, umas pequenas células do meu organismo devem estar a pensar na origem do universo onde vivem, isto é, aquela coisa impossível de compreender que sou eu próprio. e concluem, se forem cientistas inteligentes, que nasci de uma fusão primordial entre partes minúsculas de dois universos. e dessa fusão surgiu um Big Bang, que deu origem ao universo onde elas vivem.
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José Cunha-Oliveira, 23-05-2009
além do conhecido efeito protetor sobre a doença de Alzheimer, o tabaco vê reconhecido um efeito benéfico nos doentes deprimidos.
como tudo na vida, o tabaco tem coisas boas e coisas más.
entre as coisas más avulta o ser proibido fumar nos jardins da América.
imagem: poster apresentado pelos drs. Dale D'Mello e Alric Hawkins ao 162º Annual Meeting da APA, San Francisco, maio, 2009.
a nova ortografia da Língua Portuguesa
José Cunha-Oliveira, 29-01-2010
é chocante a desfaçatez com que a ignorância se tem oposto em Portugal à nova norma ortográfica. os argumentos são os mais inacreditáveis, e, de tão afastados que estão da realidade a que se dirigem, chegam a ser incompreensíveis. quase todos se resumem a que o acordo ortográfico que a suporta nos obriga a falar de uma forma diferente e a pronunciar ou despronunciar palavras ou sons que nos são estranhos. noutro país, essa ignorância daria vontade de rir, desligar e botar fora. aqui não. a coisa é séria pelo que revela de ignorância, de chauvinismo, parolice, provincianismo e xenofobia. o acordo é mau porque, supostamente, seria obra de um país (estrangeiro, já se vê) para dominar os outros (a nós, claro). não sendo isso, é o interesse das grandes editoras estrangeiras. mas demonstrando que tem a ganhar mais as editoras nacionais que as estrangeiras, aqui d'el rei que somos uns reles negociantes interesseiros. o que conta é ser contra, as razões vem depois. a mais ajeitada que ocorrer em cada momento.
é claro que a ignorância não se fica por aqui. não sabem de que ano é a norma que dizem defender como sagrada e intocável. e dão erros de escrita que deitam por terra qualquer defesa de qualquer norma ou falta dela.
causas, consequências e mistificações
José Cunha-Oliveira, 14-01-2010
cada vez é maior a pressão "científica" para que nos rendamos à tese segundo a qual as nossas alterações do humor, a nossa sensação de sofrimento interior, os nossos sentimentos de infelicidade, a nossa raiva por tudo nos correr de contrafeição, se devem não à reação natural de um ser a uma sociedade infernizante mas, sim, a fenómenos biológicos, melhor, bioquímicos. isto quer dizer que estamos deprimidos, desanimados, revoltados, não pelas razões que nos levam a deprimir, a desanimar e a revoltar-nos, mas porque o teor de certos compostos biológicos no sangue ou nas terminações nervosas está abaixo do que é normal em condições normais. assim sendo, tenha o homem ou a mulher os sentimentos que tiver e as razões que tenha para os ter, a verdade é que não é por essas razões que ele ou ela está deprimido ou deprimida, desanimado ou desanimada. é porque, por coincidência, se deu o caso de ter uma baixa de serotonina, ou outra merdice qualquer, no sangue ou nas terminações nervosas. a conclusão desta teoria é óbvia: se conseguirmos que as taxas dessas tretas no sangue ou nas terminações nervosas se mantenham em níveis ótimos, pode cair o carmo e a trindade, pode morrer o pai, a mãe ou o marido ou a mulher, ou até o próprio, podem penhorar-lhe o carro, a casa, o que tem e o que não tem, pode vir a maior crise social de todos os tempos, pode vir a carestia e a fome, que fica o indivíduo numa naice, feliz da vida, no melhor dos mundos, como um zombie pateta, ou melhor, como um pateta alegre.
o que está por detrás desta teoria são três interesses concorrentes: por um lado, uma indústria que tem de justificar por que nos vende medicamentos para podermos tolerar certas coisas, as pessoas e nós mesmos; por outro lado, um Estado que não tendo formas reais de nos fazer razoavelmente felizes, nos quer assegurar uma tolerância bioquímica à frustração e aos desequilíbrios sociais que ele não é capaz de resolver; e, finalmente, as pessoas, que precisam de ajuda e aceitam tudo o que lhes prometa bem estar, ainda que ilusório.
e viva a serotonina. e viva a serotolice.
e se a baixa da tal serotonina e companhia fosse uma consequência e não uma causa?
os medicamentos e a doença mental
José Cunha-Oliveira, 14-05-2008
hoje em dia toma-se por causa das doenças mentais, psíquicas e do ânimo, como queiram, um conjunto de processos bioquímicos implicados no modo de ação dos psicofármacos. quero dizer, o doente - diz-se - está doente por causa da serotonina, da noradrenalina, da dopamina, da acetilcolina, etc., etc., as quais não se encontram na concentração normal naqueles locais onde se dá a neurotransmissão. e para confirmar tamanha certeza lá vêm os artigos científicos explicar que este medicamento ou aquele interfere no processo bioquímico da transmissão do estímulo nervoso, fazendo repôr, ou imitando, o normal funcionamento da neurotransmissão dos estímulos.
com o devido respeito, o raciocínio em causa confunde tratamento com doença e doença com tratamento.
antes dos psicofármacos, tratava-se doenças psiquiátricas com choques insulínicos, sem que a insulina tivesse nada que ver com a doença mental. alguns doentes ainda hoje são tratados com eletrochoques, sem que se possa dizer que a doença mental é provocada por falta de eletricidade. mais atrás, tratava-se algumas agitações e inquietudes com banhos de água fria. e daí tamém não se podia concluir que a doença mental fosse provocada por falta de água fria.
dizendo de outra maneira: os medicamentos da psiquiatria são sintomáticos e inespecíficos. como a aspirina para a febre. o mecanismo de ação da aspirina nada tem a ver com a causa das doenças que provocam febre.
José Cunha-Oliveira, 13-06-2008