José Cunha-Oliveira, 02-02-2013
José Cunha-Oliveira, 18-09-2008
certo dia tirei-me de cuidados e, de companhia, fui visitar a casa-museu de um mencinheiro ali polas bandas de Lugo. o home acolheu-nos de boa mente e logo começou o foguetório das suas artes. que tinha 300 anos de vida, que era capaz de voar, que tinha uma capa vermelha, enfim. enquanto ele exibia as suas gabanças, acompanhadas de vasta coleção de fotos e artigos de jornais, eu passava os olhos pelo estendal de ervas, patas de rãs, insetos e bichos repelentes, mezinhas, poções, pós, potes e almofarizes, receitas e esconjuros, livros da melhor gente da cultura e das artes galegas: um museu.
e eu ia bebendo na fonte o que a bica botava.
vendo-me interessado e curioso, o home mandou-me uma estocada e quase me joga no tapete:
- sabes de onde vem o meu poder?
fiquei sem resposta, ante tantas hipóteses que me passavam pola mente. pelo que, após um interlúdio bem estudado, o home respondeu à própria pergunta rapando do boné que trazia na cabeça e pondo-me a testa dele na frente dos meus olhos:
- daqui!
e mostra um par de corninhos, um de cada lado da testa, quase simétricos, que trazia agochados no seu boné.
a Bíblia passou-se-me de repente pelos olhos de dentro: tamém a Moisés o pintam com uns cornos assim!
aí, passei ao contra-ataque:
- home, cando eu entrei ali pola porta vi cousas de deus ao lado direito e cousas do diabo na montra da esquerda...
- ...e sabes porquê? - perguntou triunfante.
- ora, respondi eu, a porta da tua casa é como entrar dentro da gente. deus e o diabo fazem parte da nossa natureza por igual!
a reação do home foi de incredulidade. olhou pra mim de cima abaixo e perguntou:
- tu que fazes? és vidente? filósofo?
- gosto de entender as pessoas, só isso.
quem ia comigo já não aturava mais a conversa e deu coa língua nos dentes:
- ele é psiquiatra!
fiz um esgar de zangado, mas o mal estava feito.
a conversa mudou de figura. o impressionante feiticeiro entrou em confissão. contou como tudo começara, ainda jovem. cousas difíceis de entender se tinham passado co ele. chegavam-lhe de outros mundos vozes e influências. andara polos médicos, sem que lhe dessem solução às dúvidas, incertezas, enigmas e temores. começou a frequentar congressos de medicina, de literatura e de cultura e arte, procurando respostas. tornou-se amigo de figuras de renome e influência.
a fama dos seus contactos com experiências além do real fez que o procurassem cada vez mais e de mais longe. a resposta encontrou-a ajudando os outros.
hoje é ele mesmo um ícone da cultura nacional galega e um museu na sua terra.
José Cunha-Oliveira, 15-04-2008
mas, às vezes, a ajuda toma caminhos imprevistos.
recordo muitas vezes o bugueiro Pedro, que me levava a passear nas dunas de Cumbuco. "com emoção, ou sem emoção?" absolutamente indiferente: era sempre emocionante! fizemos amizade bem cedo. quando podia, quando o búgui não tinha clientes, o Pedro aparecia: "doutô, quer vir em Fortaleza?" outras vezes: "doutô, quer dar um passeiinho de búgui - não paga nada - quer ir comigo visitar um amigo meu, na mata?" e eu ia, é claro. eu não resisto às tentações de verdade. e lá íamos nós, sempre a falar, sempre a ouvir as estórias da aldeia de Caucaia, onde o Pedro tinha sua casa, mulher, filhos, galinhas caipiras, cachorros e vizinhos. uma aldeia que merecia bem o seu nome nativo: "Caucaia": "clareira na mata". uma mata negra e muda depois do pôr do sol.
até que notei, dias depois, que o Pedro andava encabulado, tristonho, cara de sofrido. não era o mesmo Pedro. aí, eu perguntei:
"- Pedro, o que é que se passa com você?"
"- sabe, doutô, eu todas as noites tenho que ir no aeroporto pegar o pessoal que chega no vôo das 4 da manhã. quando eu vou prá cama, eu tenho medo de não acordar na hora e tem noites que nem durmo".
senti uma ternura imensa pelo nativo Pedro. e disse: "Pedro, fique tranquilo, eu vou resolver seu problema!"
no dia que pude, dei um pulo em Fortaleza. numa loja de fotografia eu vi um despertador lindo, moderno, de pilhas, aquela tentação. pensei: vou oferecer ao Pedro. vai ficar contente. é caro, é bonito, ele não vai esquecer mais esse momento. e se bem o pensei melhor o fiz. apareci em Cumbuco com um embrulho bem bonito. o Pedro abriu. ficou radiante, feliz, não sabia muito bem onde esconder a sua gratidão. e eu achei barato os 20 euros para tão encantadora alegria.
no dia seguinte o Pedro andava radiante, solto, dormido, feliz.
mas os dias passaram e o Pedro fechou de novo. andava esquivo, fugia do contacto, cumprimentava e sumia. pensei que andasse cheio de trabalho e solicitação. mas esse estranho comportamento persistia. até que decidi tirar a limpo a situação.
"- Pedro, você anda meio fugido da gente, quer ver que o despertador não funciona mais?.."
e respondeu, como se desse um pulo:
"- funciona, sim, doutô, funciona muito bem. eu agora durmo bem e acordo na hora..."
dei uma resposta de silêncio incrédulo. o Pedro entendeu na minha cara e explicou o que faltava explicar:
"- só tem um problema: quando eu acordo, todo o mundo acorda!"
o columpio
José Cunha-Oliveira, 23-09-2008
"columpio" (subst.), do cast., significa "balancé", "baloiço", "cadeira de baloiço","carrocel de baloiços giratórios", "randeeira", "arrandeeira", "bambam" (Gz.).
sobre columpios, não resisto a resumir o conto Novo de Parmuide, de Álvaro Cunqueiro, em Xente de Aquí e de Acolá.